A cena Café Racer não vive isolada e pertence a uma família mais vasta de gente inconformista. Desta vez, a Garage Ink vai ensinar-nos cem por cento sobre a irmandade um por cento. Confusos? Se lerem deixam de estar.

O presente artigo foi originalmente publicado no n.º 1 da Garage Ink Magazine e surge agora aqui reeditado no 351 por cortesia do Marco "kustomville" Santos, o seu mentor, para além da preciosa colaboração do Comité Nacional do MC.

Visitem "the real thing" aqui: www.garage-ink.blogspot.com/

E tenham medo... muito medo...  

 


 

 

Cem por cento sobre um por cento

- O que é um MC? -

 

por Marco Santos

com a colaboração do Comité Nacional de MC

 

 

Dois anos após a primeira mota que se conhece ser lançada, já se formavam os primeiros Motorcycle Clubs. Em 1924, fundou-se a American Motorcycle Association (A.M.A) que rapidamente desvalorizou os Moto clubes que não lhe estivessem afiliados, um pouco como se passa com a Federação Nacional de Motociclismo. De facto, muitos dos clubes “fora-da-lei” como lhes chamava a AMA, fundados entre 1920 e 1940 não eram mais que simples grupos de rapazes e raparigas que se reuniam ao fim de semana para escapar à monotonia, rodar juntos e pôr em prática a perícia em corridas de motas uns contra outros.

Se já nos anos 20 havia grupos fora-da-lei como diziam, então nos anos 40 foi quando floresceram mais. Com o fim da segunda guerra mundial em 1945, muitos soldados voltando dos combates e não se acostumando à vida civil, passaram a utilizar, entre outras coisas, a mota como forma de conviver com o peso da violência passada e com a falta de oportunidades numa sociedade de consumo extremamente regrada e controlada, mas também de recuperar a camaradagem militar, mas sem guerra e com liberdade. Podemos então afirmar que o “boom” motociclista foi no pós-guerra. A imagem, fantasia e mito do motociclista rebelde e desajustado, foi fortemente fixada no imaginário humano através deste cenário pós-II guerra mundial, dos incidentes (super expostos e sensacionalizados pelos media) ocorridos na pequena cidade de Hollister/California nos Estados Unidos durante o Gipsy Tour, Rally de 04 a 06/07/1947, que foi  patrocinado pela American Motorcycling Association-AMA, e que teve uma audiência de mais de 4.000 simpatizantes do motociclismo, agitou a comunidade Motociclista em geral e de tal maneira que a separação entre as palavras Motociclista e Biker foi ponto assente até aos dias de hoje.

Ao que parece, na altura alguns motociclistas portaram-se mal. Nos dias de hoje, seria um dia normal numa concentração qualquer, umas janelas partidas, uma ordem de prisão e alguns a fazer burn-outs à porta de restaurantes e bares. Mesmo assim, a capa da revista “Life” e o seu conteúdo, como se pode ver pela foto ao lado, deram ao público uma versão exagerada do que realmente aconteceu, ou seja, foram “feios, porcos e maus” como sempre. Mais tarde, o próprio repórter admitiu que a fotografia foi encenada com um bêbado que nem tinha nada que ver com as motas.

Um jovem realizador de cinema chamado Stanley Kramer aproveitou os acontecimentos de Hollister para se inspirar num filme que se tornou um culto, a que chamaram “The Wild One” com Marlon Brando no papel principal, que contava com motas transformadas, roupas, patches e muitas mais coisas que eram símbolos de MC e de rebeldia contra o sistema. Ainda assim, esse filme foi a porta de saída para que esta cultura se espalhasse pelo mundo inteiro, pelo menos nos países onde não foi censurado por conter imagens “anti-sociais”.

No meio de tudo isto, a AMA emitiu uma declaração: “ 99% dos motociclistas são cidadãos obedientes e dentro da lei, e o que se passou em Hollister foi o resultado de gente fora da lei!!”. Claramente, a AMA referia-se àqueles que não estavam afiliados à associação e ao que ela representava, abraçando o estilo de vida e imagem rebelde, sendo tratados como escória, foras-da-lei ou, então, “1%”.

Assim, grupos entre outros como os Gypsy Jokers, RoadRats, Satan's Slaves, Pissed Off Bastards e Booze Fighters uniram ideias oficialmente com a divisa do 1%, convertendo-se assim numa força conjunta, oposta à AMA e à pacata moral do pós-guerra. Entre eles contava-se também Pissed off Bastards of Bloomington e Market Street Commandos, que mais tarde deram origem a um dos MC maiores e mais poderosos do mundo - Hells Angels MC.

Claro, para a polícia e os Media, tudo o que era Fora da lei e 1% eram marginais e nunca deviam existir, mas por enquanto não havia nada a fazer…eram só gente com motas que gostava de dar nas vistas. Infelizmente em 1964, em Monterey , Califórnia, duas jovens foram violadas e acusaram dois membros dos Hells Angels, história essa que mais tarde se provou ser mentira. Foram as miúdas que inventaram essa história, com medo das represálias dos pais... e não fizeram nada contra a vontade delas mas, como tipicamente, baixam as cuecas mas a culpa é do gajo que leva a mota e as cores.

Sem muita defesa e acusados por um otário chamado Thomas Lynch, que era o Juiz Geral do Estado da Califórnia, o qual entregou um relatório a que chamaram “Lynch Report” sobre os MC 1%, em vez de o enfiar pelo cu dentro, arranjou uma maneira de convencer os políticos dos Estados Unidos a que os grupos MC que não pertenciam ao AMA eram todos “entidades Criminosas” e que “mereciam estar sob atenção policial”.

No final de 75, com o final da guerra do Vietname, muitos soldados com os mesmos motivos que os anteriores da Segunda Guerra Mundial, inundaram os Clubes 1% por estarem contra a sociedade em que viviam e viverem segundo as regras que tão parecidas eram com as militares. Hoje em dia, confusões aparte, os MC continuam com o mesmo estilo de vida, sendo uma família com as suas regras, vivendo debaixo da etiqueta de 1%, e como nos primeiros dias de se usar cores, cagam para a sociedade que os recrimina.

No nosso país, a realidade Biker existe, sem dever nada a ninguém nem caindo em modas passageiras ou paneleirices de fim-de-semana. Para isso se criou um Comité Nacional de MC que rege as regras que há que seguir para o árduo caminho que espera um pequeno grupo, para poder usar o símbolo “MC” e “1%”. Podem consultar em www.comitenacional.org os grupos existentes e encontrar as respostas que por vezes assaltam as mentes menos conhecedoras, as quais transcrevemos no anexo seguinte.

Durante as nossas futuras edições da Garage Ink Magazine, vamos tentar desvendar algumas curiosidades e história dos MC em Portugal, com a ajuda dos mesmos e fotos que nem todos podem ou ousam publicar. Tentaremos também fazer as perguntas que ninguém quis perguntar e escutar as respostas que todos perdem tempo a inventar.

Fiquem atentos aos próximos números da vossa Garage Ink!

 


  

A Garage Ink recomenda que vejam as respostas às perguntas que nem sequer sabem fazer, aqui:

comitenacional.org/zona.php